"Cada libro, cada tomo que ves tiene alma. El alma de quien lo escribió y el alma de quienes lo leyeron y vivieron y soñaron con el (...) Los libros son espejos: sólo se ven en ellos lo que uno ya lleva dentro"

(Carlos Ruiz Zafón, La sombra del viento)

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Reino das palavras: pesquisando no Real Gabinete Português de Leitura.


“Penetra surdamente no reino das palavras”
(Carlos Drummond de Andrade)


Eu ainda acredito que as palavras são parte de um mundo mágico, encantado, que se oferece aos poucos para aqueles que sedentamente buscam-no.
As bibliotecas muitas vezes nos transportam para este mundo tão ruidosamente silencioso.
Ontem sentei-me no Real Gabinete Português de Leitura, localizado no centro do Rio de Janeiro, como quem é transportado  não para o passado, mas simplesmente para o tempo sem tempo das palavras. Afundei-me profundamente naquela atmosfera inebriante e mágica de quem procura, espera e contempla as letras mudas que formam sons, viram fala, falas poesias, cantigas, preces.
Enquanto pesquisava fui lindamente interrompida por um grupo de crianças do sexto ano de uma escola municipal que adentrou respeitosamente o recinto – imagino que as instruções da professora foram extremamente eficazes, pois entram com zelo, contemplando respeitosamente o local. Certamente muitos demonstravam em suas faces o descontentamento por estarem ali, outros sabiam que adentravam um local deslumbrando, porém, chamou minha atenção um menino em particular...
Parou na porta enquanto entrava atabalhoadamente, como se surpreendesse com a descoberta de que ao caminhar pelo reino das palavras é preciso antes de tudo, quietude. O jovenzinho não sabia se sorria, se ficava boquiaberto, não sabia sequer para onde olhar. Revezava as expressões ainda paralisado, vislumbrava dali mesmo o mundo encantado das palavras. Achegou-se aos poucos, como quem cautelosamente pede permissão, e sorrindo longamente tocava as colunas como se pelo tato reconhecesse o local. Nunca tinha visto tantos livros, pude ler seus lábios enquanto demonstrava seu espanto para um colega de classe e ase aproximava de sua professora empenhada em explicar-lhes mais.
Acredito que uma das mais belas coisas em ser professor é justamente tomar o aluno pela mão e lhe sussurrar docemente “penetra surdamente no reino das palavras” e aos poucos apresentar-lhe linguagens, vida, palavras...
Foi uma bela interrupção. 

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Namore uma garota que lê


Namore uma garota que gasta seu dinheiro em livros, em vez de roupas. Ela também tem problemas com o espaço do armário, mas é só porque tem livros demais. Namore uma garota que tem uma lista de livros que quer ler e que possui seu cartão de biblioteca desde os doze anos.
Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta (ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas.
Ela é a garota que lê enquanto espera em um Café na rua. Se você espiar sua xícara, verá que a espuma do leite ainda flutua por sobre a bebida, porque ela está absorta. Perdida em um mundo criador pelo autor. Sente-se. Se quiser ela pode vê-lo de relance, porque a maior parte das garotas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunte se ela está gostando do livro.
Compre para ela outra xícara de café.
Diga o que realmente pensa sobre o Murakami. Descubra se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entenda que, se ela diz que compreendeu o Ulisses de James Joyce, é só para parecer inteligente. Pergunte se ela gosta ou gostaria de ser a Alice.
É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, cummings. Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa.
É que ela tem que arriscar, de alguma forma.
Minta. Se ela compreender sintaxe, vai perceber a sua necessidade de mentir. Por trás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. E isto nunca será o fim do mundo.
Trate de desiludi-la. Porque uma garota que lê sabe que o fracasso leva sempre ao clímax. Essas  garotas sabem que todas as coisas chegam ao fim.  E que sempre se pode escrever uma continuação. E que você pode começar outra vez e de novo, e continuar a ser o herói. E que na vida é preciso haver um vilão ou dois.
Por que ter medo de tudo o que você não é? As garotas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto as da série Crepúsculo.
Se você encontrar uma garota que leia, é melhor mantê-la por perto. Quando encontrá-la acordada às duas da manhã, chorando e apertando um livro contra o peito, prepare uma xícara de chá e abrace-a. Você pode perdê-la por um par de horas, mas ela sempre vai voltar para você. E falará como se as personagens do livro fossem reais – até  porque, durante algum tempo, são mesmo.
Você tem de se declarar a ela em um balão de ar quente. Ou durante um show de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Ou pelo Skype.
Você vai sorrir tanto que acabará por se perguntar por que é que o seu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Vocês escreverão a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos mais estranhos ainda. Ela vai apresentar os seus filhos ao Gato do Chapéu [Cat in the Hat] e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos de suas velhices, e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto você sacode a neve das botas.
Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que  pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe  monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.
Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.
Texto original: Date a girl who reads – Rosemary Urquico
Tradução e adaptação – Gabriela Ventura
Texto retirado daqui

domingo, 14 de agosto de 2011

Alberto Mussa - O trono da Rainha Jinga

Já anunciei em post anterior - relacionado ao romance de Miguel Sousa Tavares, Equador - que eu não gosto dos chamados romances históricos. Porém, se em momento anterior tirei o chapéu para Miguel Sousa Tavares, devo neste momento fazer o mesmo ao falar de Alberto Mussa. Fugi dos meus planos durante as férias, li livros que não pretendia e não terminei alguns ainda, mas, sigo em frente. Em uma das minhas visitas à Travessa encontrei os livros de Mussa, autor sobre o qual já tinha escutado falar bem. Uma professora me indicou, a mesma que indicou Mia Couto - que é hoje um dos meus favoritos. Comecei por um dos seus menores, O trono da rainha jinga é um livro policial que se passa no Rio de Janeiro colonial, século XVII. Por ser um livro policial seria uma grande bobagem anunciar aqui muito sobre a obra. Falarei brevemente portanto sobre a estratégia feliz do autor de fragmentar sua história, isso nos permite uma outra experiência ao ler o livro, como ver sob diferentes óticas  os acontecimentos- a partir do ponto de vista de cada personagem - e construir a partir disto nossa própria percepção sobre o que se passa nesta cidade. Algumas pessoas criticaram desejando que o livro fosse mais longo, porém, discordo, acho que o livro tem o tamanho ideal, deixa-nos com o gosto de "quero mais". Indico a leitura.