"Cada libro, cada tomo que ves tiene alma. El alma de quien lo escribió y el alma de quienes lo leyeron y vivieron y soñaron con el (...) Los libros son espejos: sólo se ven en ellos lo que uno ya lleva dentro"

(Carlos Ruiz Zafón, La sombra del viento)

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Fluidez...

“A viagem termina quando encerramos nossas fronteiras anteriores. Regressamos a nós mesmos e não a um lugar”.
(Mia Couto, O outro pé da sereia)

Sempre me surpreendo com a capacidade que um livro tem de continuar ecoando no interior da alma. Volto sempre a mim mesma, mas as viagens não estão encerradas. As metamorfoses que se dão em mim mesma estendem a excursão. Li “O outro pé da sereia” em um momento oportuno. Tinha acabado de terminar um curso que fizera como ouvinte durante o primeiro semestre de 2010 chamado “Identidades, alteridades e memória: história cultural e América portuguesa”. O semestre se revelou interessante, primeiro pelo profundo conflito pessoal. O segundo motivo foi o enfrentamento de medos antigos e enfim, a superação de uma outra crise relacionada à História que se desenvolvera no ano anterior. As vivências se misturam com as leituras. A história se mesclava com a vida. Ao fim, ao cabo, deparei-me com Mia Couto novamente, e a eloqüência deste encontro sempre me traz um sorriso ao rosto. Era o momento em que os motivos pelos quais eu continuaria a estudar história haviam acabado de se consolidar dentro de mim, de forma que as tensões se tornaram menos relevantes. Momento em que aprendi a ver a fluidez das identidades e as construções das alteridades, mais do que isso, eu percebia enfim que o cambiar não é invariavelmente um indício de fraqueza. Eu descobria naquele momento o cinza no meio do preto/branco que norteara minhas ações e formulações até aquele momento. No espaço indefinido da mistura entre preto e branco as coisas não estão dadas, ou completas, elas se fazem, são construção, tal como minhas identidades. Da mesma forma a religiosidade e a devoção que Mia Couto descreve estão em construção permanente e se misturam à experimentação diária de cada personagem. O livro conta duas histórias separadas pelo tempo, uma no século XVI e a outra no século XXI, os personagens distintos se apartam em quase todos os aspectos, mas encontram ponto de contato na forma como provam a devoção e a santidade – não apenas nas semelhanças, mas sobretudo nas diferenças. Descobre-se no cinza, na fluidez de fronteiras, alguma convergência.          
Regresso enfim a mim mesma. Em breve fará um ano que li este livro, mas ele segue vivo, misturado ao que sou no momento, mesmo que eu seja multiplicidade. E as fronteiras movem-se com freqüência, adiando o término da viagem. Talvez eventualmente eu aviste Ítaca, porém, prefiro viajar indefinidamente, estando constantemente em construção, na mistura eterna entre os meus muitos ‘eus’ e os múltiplos ‘outros’. Enfim, estou continuamente retornando a mim mesma.

Um comentário:

  1. Como disse anteriormente, a sua escrita é de uma sinceridade impressionante.
    Ítaca não chega nem a ser um lugar a se chegar, não é mesmo? Talvez só um lugar para avistar...
    Meu orientador sabe das coisas...leu bem esse poema belíssimo.
    Enfim...sempre um prazer te ver escrevendo com o toque pessoal na mistura de suas leituras.

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