"Cada libro, cada tomo que ves tiene alma. El alma de quien lo escribió y el alma de quienes lo leyeron y vivieron y soñaron con el (...) Los libros son espejos: sólo se ven en ellos lo que uno ya lleva dentro"

(Carlos Ruiz Zafón, La sombra del viento)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Tempo, terra e sangue.


Quando já não havia outra tinta no mundo
O poeta usou do seu próprio sangue
Não dispondo de papel,
ele escreveu no próprio corpo
Assim,
nasceu a voz
o rio em si mesmo ancorado
Como o sangue: sem foz nem nascente.
(Lenda de Luar-do-Chão – Mia Couto)


Sou a mais branca dentre a metade materna da minha família. Minha avó sempre me chamou de “minha branquinha” ou “portuguesinha”. No último natal minha tia me deu de presente uma linda bonequinha africana. Ela sorriu e disse: ‘Sabemos da sua veia lusa, mas, mesmo assim, você é afro descendente’. Eu sorri com ela, gosto dessa mistura. Levei esse sorriso comigo durante minha leitura.

Tenho uma amiga que acredita que os livros tem seus momentos de leitura próprios. Aprendi isso com ela. Quando não consigo continuar uma leitura ou começar, penso que não é o momento daquele livro e guardo-o para ler depois quando tenho essa opção, gosto de me dedicar por inteiro mesmo que esteja lendo dois livros ao mesmo tempo. Leio cada um como se não houvesse outro. Se não posso mergulhar, prefiro esperar. Há quase um ano a professora Ivana falou do Mia Couto e de uma obra em especial: Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. Apesar disso, só consegui comprar e ler na última semana. Passei por ele várias vezes, toquei sua capa, senti suas páginas... Então um dia, que estava meio triste, desci as escadas, fui até a Carga Nobre (Livraria da PUC) e comprei. Comecei a ler e devo dizer que me apaixonei por ele nas primeiras linhas. Adorei o jeito de escrever, a forma de organizar as idéias e a trama em si. Mia Couto faz mais do que contar uma história, ele faz poesia enquanto traça o enredo. O título do livro é fantástico, mas compreender o porquê dessa sentença se apresentar dessa forma é ainda mais maravilhoso. Não falarei muito, quero que tenham a mesma experiência que eu tive: navegar por rios desconhecidos para chegar a terras estranhas e tentar conhecer um outro mundo de símbolos, significados e crenças. Compreender por fim que outros significados pode ter o tempo ou a terra. Viajo no rio tempo que é também meu próprio sangue. No meu caso foi uma viagem apaixonante. O livro me levou com ele e me fez ver além de suas páginas. Quero voltar a essa alma moçambicana, e navegar por esse tempo outras vezes. Amei tanto o livro que desacelerei ao máximo, não queria que acabasse. Por isso também, a volta não demora. Marco regresso no meu coração e selo com a palavra que tem si uma grandeza própria. Assim que eu terminar o próximo de Miguel Torga, comprarei um novo do Mia Couto.



Imagem: Por do Sol em Moçambique por Eliomar Ribeiro

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